Lachancea thermotolerans brasileira: a levedura selvagem que transforma a produção de cervejas ácida. Uma linhagem coletada na floresta amazônica promete inovação, controle de acidez e identidade brasileira para cervejarias artesanais.
Não perca mais este papo no Brassagem Forte, com a participação de Isabel Sabino e Diego Simão, e a parceria da Lamas Brewshop, da Hops Company, da Levteck e da Cerveja Stannis.
De pesquisadora a cervejeira: quem é Isabel Sabino
A bióloga Isabel Sabino iniciou sua trajetória com fungos da Antártida e, durante o doutorado, migrou para o estudo de leveduras. Sua experiência em microbiologia encontrou a prática na Cervejaria Verace, onde iniciou pesquisas sobre fermentação ácida com Lachancea thermotolerans. O foco era buscar uma levedura brasileira capaz de acidificar o mosto durante a fermentação, sem o uso de bactérias.
Por que a coleta de leveduras selvagens é importante
Coletar leveduras da natureza permite explorar o potencial biotecnológico de micro-organismos adaptados a ambientes específicos. A biodiversidade do Brasil oferece oportunidades únicas: espécies pouco estudadas podem revelar soluções para a produção de alimentos, bebidas e outros insumos industriais. A Lachancea thermotolerans foi isolada a partir da casca de uma árvore, revelando-se promissora para a produção de cervejas ácidas.
Como a Lachancea thermotolerans foi coletada na floresta amazônica
A coleta ocorreu em 2016, com apoio do Museu Emílio Goeldi. Casca de árvore foi colocada em meio líquido contendo rafinose e etanol, para selecionar leveduras menos comuns e tolerantes. A amostra foi processada rapidamente e armazenada no banco de microrganismos da UFMG, que hoje contém mais de 50 mil isolados. A linhagem brasileira da Lachancea thermotolerans foi obtida dessa coleta.
Da placa de Petri ao laboratório: desenvolvimento da levedura
A linhagem passou por triagens fisiológicas, testes de segurança e fermentações piloto. Ela demonstrou:
- Atenuação de até 72%
- Produção de 6 g/L de ácido lático
- Alta floculação
- Tolerância ao álcool de até 6%
- Redução de pH para 3,8 em 24h
Produz também ácidos cítrico, málico, succínico e acético, conferindo uma acidez mais complexa e equilibrada — ideal para cervejas ácidas como Catharina Sour.
Perfil sensorial e potencial para cervejas ácidas
Durante os testes, a Lachancea thermotolerans brasileira apresentou:
- Aromas florais (2-feniletanol), frutas brancas e mel
- Acidez perceptível, porém suave
- Sabor com equilíbrio entre dulçor residual e acidez
- Potencial para fermentações com frutas brasileiras
O perfil sensorial foi descrito como próximo ao de um vinho branco, com notas de pera, uva verde e rosas.
Parâmetros técnicos da fermentação com a Lachancea brasileira
- Temperatura ideal: 22 °C
- Mosto: malte pilsen e caramelo, 8 IBU
- Carbonatação: na garrafa
- Tempo de acidificação: 24h para pH ~3,8
- Atenuação: até 72%
- Consumo parcial de maltose e maltotriose
- Tolerância ao álcool: até 6%
- Floculação: alta
A levedura ainda não teve sua tolerância a altos níveis de lúpulo totalmente estabelecida, mas os testes indicam bom desempenho até 10 IBU.
Aplicações práticas e recomendações para uso
Ideal para cervejarias que buscam praticidade, controle microbiológico e inovação, essa levedura permite a produção de cervejas ácidas sem uso de bactérias. Recomenda-se:
- Mosturação que favoreça açúcares simples
- Fermentação isolada, sem cofermentação inicial
- Testes sensoriais antes da adição de frutas ou adjuntos
É uma excelente alternativa para Catharina Sour e outros estilos frutados, entregando equilíbrio e complexidade sem complicações no processo.
Comercialização e o futuro das leveduras nacionais
A Lachancea thermotolerans brasileira será comercializada pelo Laboratório da Cerveja, em parceria com a UFMG, após finalização do licenciamento. A expectativa é que cervejeiros caseiros e profissionais tenham acesso a um produto nacional com alto potencial biotecnológico.
Isabel Sabino também aponta o desejo de aplicar a levedura em outras bebidas fermentadas como sidras, espumantes e vinhos com frutas brasileiras, além de continuar explorando linhagens nativas com características únicas.
Conclusão
A Lachancea thermotolerans brasileira simboliza o encontro entre ciência, biodiversidade e inovação cervejeira. Com sua capacidade de acidificar, fermentar e entregar complexidade sensorial, ela oferece uma alternativa segura, prática e com identidade nacional.
Mais do que uma nova levedura, trata-se de uma nova etapa para a biotecnologia cervejeira brasileira — capaz de impulsionar tanto pequenos produtores quanto a indústria nacional rumo a sabores únicos, sustentáveis e autênticos.